1 de maio de 2024
Foto: Fabio Arantes / SECOM

Conflito entre ciclistas e pedestres: a cortina de fumaça da resistência motorizada

Por Daniel Guth*

O atropelamento do senhor Florisvaldo Carvalho por um ciclista, na última terça-feira, suscitou uma catarse de odiosas manifestações e posicionamentos apaixonados sobre a importância das ciclovias e da inclusão da bicicleta como política pública na cidade de São Paulo.

O atropelamento foi um fato lamentável, é inegável. Mas igualmente lamentável foi a cobertura de parte da imprensa e as manifestações acaloradas da resistência motorizada paulistana desde o ocorrido.

Enquanto a polícia civil iniciava o inquérito para apurar o ocorrido, os principais veículos jornalísticos do país já haviam feito suas próprias apurações, seguidas de julgamento e condenação. A culpa, muito óbvia, é do mais novo vilão das cidades: o conflito entre ciclistas e pedestres.

“O atropelamento foi um fato lamentável, é inegável. Mas igualmente lamentável foi a cobertura de parte da imprensa e as manifestações acaloradas da resistência motorizada paulistana desde o ocorrido”

Conflito este que, do ponto de vista estatístico, é irrelevante. Não que uma morte seja irrelevante, claro que não; afinal defendemos uma agenda pública para zerar mortes no trânsito. Entenda com clareza, nobre leitor, a reflexão que proponho: insistir na ideia de que há um conflito – ou uma guerra – entre ciclistas e pedestres, como muitos querem fazer crer, é o mesmo que dizer, em plena epidemia de dengue, que o grande vilão da saúde pública no Brasil é a sinusite.

Segundo dados do DPVAT (Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre), o trânsito brasileiro mata mais de 52 mil pessoas todos os anos nas estradas, rodovias, avenidas e ruas do país. Ou seja, em 1 ano o Brasil acumula, em números de mortos no trânsito, o mesmo do que 4 anos de mortos no auge da guerra do Iraque.

Nacionalmente, em atropelamentos e colisões com vítimas, os automóveis têm participação superior a 50%. Na cidade de São Paulo, dos 555 pedestres pedestres mortos no ano passado, 200 deles foram mortos atropelados por automóveis, 114 por ônibus, 90 por motocicletas, 31 por caminhões e 2 por bicicletas. Ou seja, bicicletas foram, em 2014, os veículos atropelantes em 0,37% dos casos seguidos de morte.

Como uma morte grita mais alto do que uma estatística, para não ter que lidar com números de guerra uma parte da sociedade paulistana encontrou a cortina de fumaça ideal para não ter que lidar com seus fantasmas, que poderiam colocar em risco seu privilégio inalienável, pseudo constitucional, de transformar as ruas da cidade em autoramas desertos.

Artigo publicado originalmente no Blog A Bicicleta na Cidade. Leia o artigo na íntegra aqui.

Sobre o autor

Daniel Guth é consultor de políticas de mobilidade urbana
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