Confira nove afirmações comuns sobre o uso das bikes e o que a lei e especialistas dizem sobre elas
A convivência de bicicletas, pedestres e veículos automotores no trânsito de grandes cidades brasileiras, infelizmente, não é das mais pacíficas. É comum o motorista gritar para o ciclista: “vai para a calçada”. Muita gente não sabe, por exemplo, que o Código de Trânsito Brasileiro prevê o tráfego de ciclistas nas pistas. A reportagem consultou a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), a Associação dos Ciclistas de Porto Alegre (ACPA) e a Associação Pela Mobilidade Urbana em Bicicleta (Mobicidade) para esclarecer o que é mito e o que é verdade quando o assunto é andar de bicicleta. Os artigos de legislação referidos nos itens estão reunidos abaixo da lista:
“A pista não é lugar de bicicleta” e “Lugar de bicicleta é na calçada”
É mito.
De acordo com o artigo 58 do Código de Trânsito Brasileiro, a circulação de bicicletas deverá ocorrer, quando não houver ciclovia, ciclofaixa, ou acostamento, ou quando não for possível a utilização destes, nos bordos da pista de rolamento, no mesmo sentido de circulação regulamentado para a via, com preferência sobre os veículos automotores.
O ciclista precisa, necessariamente, utilizar a ciclovia, quando houver
Não é mito. Está na lei, mas tem exceções.
De acordo com Pablo Weiss, membro da Associação dos Ciclistas de Porto Alegre (ACPA), é importante fazer duas ressalvas a respeito dessa afirmação. Weiss considera a obrigatoriedade de andar na ciclovia um mito, já que no artigo 58 consta que “a circulação de bicicletas deverá ocorrer, quando não houver ciclovia, ciclofaixa, ou acostamento, ou quando não for possível a utilização destes, nos bordos da pista de rolamento”.
“Em que situação é possível utilizar? Quando você tem uma ciclovia construída em espaço adequado, com uma calçada próxima, para que o pedestre não tenha de circular pela ciclovia. Quando há trechos sem calçada e com ciclovia, as pessoas vão caminhar na ciclovia. A obrigação de usar a ciclovia vai até certo ponto”, comenta Weiss, lembrando outros fatores que tiram as condições da ciclovia como obstáculos, pontos cegos e piso escorregadio.
“Não posso sugerir às pessoas andarem pela faixa de rolamento quando há ciclovia ou ciclofaixa. Mesmo se o piso fica escorregadio, são riscos diferentes. E se há problemas na ciclovia, o ciclista não deve se arriscar por isso, e sim, reclamar ao órgão de trânsito”, contrapõe Daniel Denardi, fiscal de trânsito e assessor da Gerência de Fiscalização da EPTC.
Capacete é equipamento obrigatório para ciclistas
É mito.
De acordo com o artigo 105 do Código de Trânsito Brasileiro e a Resolução 46 de 1998 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), o capacete não está entre os equipamentos obrigatórios para ciclistas.
“Infelizmente, a legislação não exige o capacete, mas qualquer pessoa com um mínimo de racionalidade vai concluir que tem de usar. Com o impacto no cordão da calçada ou outro veículo, a calota craniana pode sofrer concussão, traumatismo craniano ou lesão cerebral com consequências nefastas”, comenta o fiscal de trânsito e assessor da Gerência de Fiscalização da EPTC.
Há uma discussão sobre o uso do capacete. Alguns defendem que seu uso por ciclistas faz com que os motoristas de veículos automotores tomem menos cuidado na ultrapassagem. Mas, vale ressaltar que, em caso de uma colisão, é mais seguro estar de capacete.
O ciclista não pode ser responsabilizado
É mito.
“O fato de eventualmente eu não ser multado não significa que eu não possa ser responsabilizado. Por exemplo, se eu não tiver espelho retrovisor ou outro equipamento obrigatório e me envolver em um acidente de trânsito, o fiscal de trânsito não tem como multar o ciclista em termos formais, mas isso não quer dizer que e o ciclista não poderá ser responsabilizado por isso” explica o fiscal de trânsito.
Do mesmo modo, se um ciclista andar pelo passeio e atropelar alguém que está saindo de um prédio, ele pode ser responsabilizado por isso, judicialmente.
O ciclista deve pedalar na contramão
É, definitivamente, um mito.
O artigo 58 do Código de Trânsito Brasileiro determina que o ciclista deve circular sempre no mesmo fluxo dos outros veículos.
“Andar na contramão é uma prática comum ainda, infelizmente. Ao fazê-lo, o ciclista consegue ver melhor os veículos que estão se aproximando. Isso é verdade, mas não é o que se deve fazer” afirma Denardi.
É mais seguro pedalar junto ao meio-fio
É outro mito.
A lei determina que o ciclista deve trafegar no bordo da pista. Mas lei é um conjunto: também determina, pelo artigo 201, que o veículo automotor ultrapasse a bicicleta a uma distância mínima de 1m50cm.
“Qual é a realidade que temos hoje no trânsito? Os motoristas não respeitam a distância mínima porque não a conhecem, porque são imprudentes ou porque não sabem que a bicicleta é um veículo. Em função disso, é mais seguro pedalar um pouco mais para o meio da faixa da direita para obrigar o carro a ultrapassar pela outra faixa”, diz Pablo Weiss.
Além disso, pedalar no meio da pista oferece espaço para o ciclista desviar de buracos, desníveis e outros imprevistos.
A velocidade mínima da pista é metade da máxima
Muita calma nessa hora.
O CTB tem quatro artigos (43, 58, 62 e 219) que se relacionam à velocidade mínima da pista e ciclistas, que precisam ser lidos em conjunto, lembra Enrico Canali, membro da Associação Pela Mobilidade Urbana em Bicicleta (Mobicidade).
“Só existe proibição se ela estiver expressa. Segundo o artigo 219, a velocidade mínima não se aplica à faixa da direita. Além disso, o código fala que o condutor deverá observar constantemente as condições do veículo, e, no caso das bicicletas, muitas vezes elas não permitem andar a 40km/h” explica Canali.
Ciclistas respiram mais ar poluído do que quem vai de carro
Pode ser um mito.
Há pesquisas que indicam o contrário. Um estudo realizado em Copenhague, na Dinamarca, em 2001, por exemplo, comparou o ar inspirado por motoristas de carro e ciclistas, fazendo o mesmo trajeto em um mesmo horário, e concluiu que “os ciclistas de Copenhague estão expostos a menores concentrações de poluentes ligados ao trânsito do que os motoristas de carro”.
Além disso, se cada vez mais, a população trocasse carros por bikes, com certeza, os ciclistas respirariam um ar menos poluído — confira um estudo que calculou os benefícios se os habitantes de algumas cidades dos Estados Unidos trocassem seus carros por bicicletas por seis meses.
Quem vai de bicicleta demora mais tempo para chegar ao destino
Isso é um mito contestado por ciclistas em todo o mundo, considerando o trânsito nas cidades. Há uma prova, o Desafio Intermodal, que já foi realizado em diversas cidades, incluindo São Paulo e Porto Alegre, em que a bicicleta foi, comprovadamente, o veículo mais rápido e mais eficiente para se locomover no trânsito.
Confira, abaixo, a legislação mencionada na reportagem:
Código de Trânsito Brasileiro
Art. 43. Ao regular a velocidade, o condutor deverá observar constantemente as condições físicas da via, do veículo e da carga, as condições meteorológicas e a intensidade do trânsito, obedecendo aos limites máximos de velocidade estabelecidos para a via, além de:
I – não obstruir a marcha normal dos demais veículos em circulação sem causa justificada, transitando a uma velocidade anormalmente reduzida;
II – sempre que quiser diminuir a velocidade de seu veículo deverá antes certificar-se de que pode fazê-lo sem risco nem inconvenientes para os outros condutores, a não ser que haja perigo iminente;
III – indicar, de forma clara, com a antecedência necessária e a sinalização devida, a manobra de redução de velocidade.
(…)
Art. 58. Nas vias urbanas e nas rurais de pista dupla, a circulação de bicicletas deverá ocorrer, quando não houver ciclovia, ciclofaixa, ou acostamento, ou quando não for possível a utilização destes, nos bordos da pista de rolamento, no mesmo sentido de circulação regulamentado para a via, com preferência sobre os veículos automotores.
Parágrafo único. A autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via poderá autorizar a circulação de bicicletas no sentido contrário ao fluxo dos veículos automotores, desde que dotado o trecho com ciclofaixa.
Art. 59. Desde que autorizado e devidamente sinalizado pelo órgão ou entidade com circunscrição sobre a via, será permitida a circulação de bicicletas nos passeios.
Art. 62. A velocidade mínima não poderá ser inferior à metade da velocidade máxima estabelecida, respeitadas as condições operacionais de trânsito e da via.
Art. 105. São equipamentos obrigatórios dos veículos, entre outros a serem estabelecidos pelo Contran:
(…) VI — para as bicicletas, a campainha, sinalização noturna dianteira, traseira, lateral e nos pedais, e espelho retrovisor do lado esquerdo.
Art. 201. Deixar de guardar a distância lateral de um metro e cinquenta centímetros ao passar ou ultrapassar bicicleta: Infração – média; Penalidade – multa.
Art. 219. Transitar com o veículo em velocidade inferior à metade da velocidade máxima estabelecida para a via, retardando ou obstruindo o trânsito, a menos que as condições de tráfego e meteorológicas não o permitam, salvo se estiver na faixa da direita: Infração – média; Penalidade – multa.
Resolução 46 de 1998, do Contran:
Art. 1º As bicicletas com aro superior a vinte deverão ser dotadas dos seguintes equipamentos obrigatórios:
I – espelho retrovisor do lado esquerdo, acoplado ao guidom e sem haste de sustentação;
II – campainha, entendido como tal o dispositivo sonoro mecânico, eletromecânico, elétrico, ou pneumático, capaz de identificar uma bicicleta em movimento;
III – sinalização noturna, composta de retrorefletores, com alcance mínimo de visibilidade de trinta metros, com a parte prismática protegida contra a ação das intempéries, nos seguintes locais:
a) na dianteira, nas cores branca ou amarela;
b) na traseira na cor vermelha;
c) nas laterais e nos pedais de qualquer cor.
Fonte: Zero Hora, por Laura Schenkel